Na fronteira
obscura entre a autoajuda, a religião e a literatura, o canadense
William P. Young ergueu sua tenda de milagres. Seu romance A cabana, de
2007, conquistou 18 milhões de leitores em todo o mundo com sua forte
mensagem religiosa. O livro narra a história de um homem atraído para
uma cabana misteriosa após o desaparecimento de sua filha. Lá ele
encontra Deus, personificado como uma mulher negra e bondosa. Em seu
novo romance, A travessia (Editora Arqueiro), Young retoma sua
espiritualidade exótica com a história do executivo milionário que
encontra Jesus e o Espírito Santo depois de entrar em coma devido a um
derrame. Em entrevista a ÉPOCA, Young fala sobre seu novo livro, sua
visão religiosa e as críticas que recebeu.
ÉPOCA –
Seu livro é uma obra de ficção, mas concorrerá com títulos que relatam
experiências sobrenaturais. O que acha dessa disputa?
William P. Young –
Acho que todos nós já tivemos alguma experiência sobrenatural. Muitas
vezes o sobrenatural está oculto no dia a dia. Um pôr do sol, um
arco-íris ou o choro de um recém-nascido podem ser experiências
sobrenaturais. Já tive vários sonhos em que sei que conversei com Deus.
Tenho certeza disso. Deus também fala comigo por meio da minha família,
dos meus amigos ou até mesmo de inimigos. Não há motivo para separar as
experiências sobrenaturais dos pequenos encontros com Deus que ocorrem
em nossa vida cotidiana. Deus está presente em todos os momentos.
Acreditar no sobrenatural é fácil demais. O mais difícil é encontrar a
espiritualidade na vida real. É preciso trabalhar duro para isso.
ÉPOCA – A travessia pode ser lido como continuação de A cabana?
Young –
Não exatamente. É uma continuação de certa forma, porque é um livro
sobre Deus, sobre a transformação do coração humano pela fé e sobre
relacionamentos, mas com uma história totalmente diferente. É escrito
naquele mesmo gênero que ninguém conseguiu explicar, incluindo eu.
ÉPOCA – Como o senhor descreveria esse estilo?
Young – Espiritualidade
realista, talvez (risos)? Tudo o que escrevo é centrado na mesma
pergunta: o que aconteceria se, em meio a nossa vida cotidiana,
deparássemos com as ações de um Deus que trabalha a nosso favor, que nos
ama e quer que sejamos pessoas melhores? Quando decidi lançar A cabana,
26 editoras recusaram o livro. O motivo que elas davam era sempre este:
o livro não era parecido com nada que havia sido lançado até então, e
era um risco apostar em algo tão incomum.
ÉPOCA – Por que a espiritualidade vende tanto?
Young – Os
avanços da sociedade não atendem todas as nossas necessidades. A
tecnologia só aumenta nossa angústia espiritual. Mesmo quando estamos
conectados 24 horas por dia, temos muito tempo para pensar na vida e
notamos que há espaços vazios em aspectos importantes dela. Queremos que
a vida seja mais que isso. Não sou inteligente o suficiente para dizer
que entendo as angústias da sociedade como um todo, mas o sucesso da
espiritualidade mostra que há muitas pessoas fazendo as mesmas
perguntas. O que meus livros fazem é colocar Deus no dia a dia, com uma
linguagem amigável. Isso é algo que a religião organizada dificilmente
faz. Com a linguagem de meus livros, os leitores podem falar de
espiritualidade com seus amigos, com sua família.
ÉPOCA – É uma missão bastante ambiciosa...
Young –
Não diria que é uma missão. Nada disso foi proposital (risos). A
primeira versão de A cabana foi escrita como um presente de Natal para
meus filhos. Tenho seis filhos: o mais velho tem 32; o mais novo, 19.
Juntando família e amigos, pensava em atingir 15 pessoas no máximo. Meus
pais foram missionários, fui criado numa tribo indígena. Tive uma vida
espiritual muito intensa. Sempre pensei muito sobre Deus e queria reunir
num lugar todos os meus pensamentos sobre o assunto. Foi por isso que
escrevi A cabana. A semana que o personagem principal passa na cabana
corresponde a 11 anos da minha vida em busca de respostas. É minha
história espiritual em forma de ficção. A travessia é o primeiro livro
que escrevo com o propósito de ser lido. Gosto de contar as histórias
que meu coração manda contar, e elas encontram lugar no coração do
leitor sem pedir permissão. Quanto mais leitores quiserem compartilhar
essa história comigo, mais satisfeito ficarei. Não vejo isso como uma
meta. Se só minha mulher e meus filhos gostarem do livro, tudo bem. Eles
gostaram, aliás.
ÉPOCA – A história de A travessia é tão pessoal quanto a de A cabana?
Young – Tenho
um pouco em comum com o personagem principal. Ele é um homem ambicioso,
egoísta, com um coração fechado... Todos nós somos assim quando pisamos
demais no acelerador e entramos numa rotina sem reflexão. Quis criar um
personagem detestável, porque sei que eu mesmo não era um personagem
muito agradável quando tinha meus 30 anos. Minha transformação é
parecida com a dele. A travessia é um livro mais humano do que
autobiográfico. A história é sobre como atravessamos momentos de
cegueira. Atravessamos a vida sem pensar, mas momentos traumáticos como
doenças e grandes perdas nos fazem parar e pensar em como nossas
escolhas afetam quem está a nosso redor. A vida é um convite diário para
mudarmos para melhor, mesmo nos menores gestos. Ao contrário do meu
personagem, já cheguei aos 57 anos. É tempo o bastante para perceber que
cada detalhe da vida é sagrado. É possível ouvir o Espírito Santo no
rock. Ou na bossa nova!
ÉPOCA – Se o senhor lesse o livro aos 30 anos, quando era parecido com o personagem principal, como reagiria?
Young – Nunca
pensei nisso. Das duas, uma: ou acharia ridículo, pois tinha uma
formação religiosa muito rigorosa e não daria bola para esse tipo de
espiritualidade, ou daria uma chance ao livro e economizaria uns bons 30
anos de reflexão (risos). Acho que não me sentiria à vontade lendo um
livro que mostrasse Deus como uma mulher negra. Fui criado para
acreditar num Deus rigoroso, severo, e isso fez com que eu fosse uma
pessoa severa por muito tempo. Não percebia que nossa visão de Deus é
formada por meio de relacionamentos, e que eles podem nos curar. Essa é a
mensagem central de A cabana, e ninguém dizia isso naquela época. Foi
duro aprender sozinho.
ÉPOCA – Por que A cabana enfrentou resistência de religiosos?
Young – Tem
a ver com a maneira livre como A cabana representa Deus. Se eu lesse um
livro como esse na minha juventude, também ficaria chocado. O uso de
imagens e metáforas para falar de religião não deveria chocar. A Bíblia é
cheia de metáforas. No Novo Testamento, Deus aparece como uma mulher
que perdeu uma moeda. Há representações de Deus como uma águia, como uma
rocha. As imagens não definem Deus. Elas servem apenas para nos ajudar a
entender sua natureza. Sabemos que Deus não é um homem ou uma mulher,
mas podemos abrir um pouco a cabeça. Ninguém mais aguenta aquela imagem
ocidental de um Deus infinitamente distante, intocável, desconhecido e
impassível, que assiste a nossas vidas com um olhar reprovador. Não é
nisso que acredito.
ÉPOCA – O que o senhor diria a quem não leu seus livros, mas os critica?
Young –
Não sei se eles ouviriam o que tenho a dizer. Eu os convidaria a
arriscar a ler uma página ou outra, quando estiverem prontos. A leitura
pode ser crítica, não importa. O importante é que a leitura desperte um
sentimento em alguém. As pessoas que criticam A cabana sem nem sequer
ter lido só ouviram falar do livro, mas já o detestam. Imagino que não
lerão A travessia e o detestarão também. Se realmente lessem, meus
livros bagunçariam seus paradigmas religiosos e talvez causassem
indignação. Gosto desse tipo de debate. A polêmica é um convite ao
crescimento espiritual. Minhas crenças de hoje são muito diferentes das
que eu tinha há dez anos. E há dez anos achava que estava certo sobre
tudo.
EPOCA – Seu estilo lembra o de Paulo Coelho. O senhor conhece a obra dele?
Young –
Conheço, é claro. É uma grande honra ser comparado a ele. Mas ele lida
com a espiritualidade de forma muito mais geral, cheia de misticismo.
Tenho uma formação cristã muito tradicional, e isso transparece nos meus
livros. Escrevo sobre Jesus, sobre o Espírito Santo. Gosto muito da
obra de Paulo Coelho. Os brasileiros adoram livros como os meus graças a
ele. São leitores que abraçaram a espiritualidade com muita força. A
cabana foi lançado em 41 idiomas e vendeu bem em quase todos os países
onde saiu, mas os leitores brasileiros sem dúvida são os mais
apaixonados. E é recíproco. Fui ao Brasil duas vezes. É um país especial
para mim. Sabia que já assisti a um show de Cauby Peixoto?
ÉPOCA – Como foi essa experiência?
Young –
Estive no Brasil em 2009 com alguns amigos e, antes de meus
compromissos, tive um dia livre em São Paulo. Disse a meus amigos que
queria ouvir música brasileira, e me ofereceram duas opções: um show
instrumental de bossa nova por US$ 4 ou o “Frank Sinatra brasileiro” por
US$ 20. Escolhi o Sinatra por US$ 20, claro (risos). Não tinha ideia de
quem era o sujeito. De repente, aparece aquele senhor de peruca, que
precisa de ajuda para subir ao palco. E, daquela boca, saíram alguns dos
sons mais belos que já ouvi. Foi uma noite incrível. Depois fiquei
sabendo que alguns amigos brasileiros tentam assistir àquele show há
anos e nunca tinham conseguido. Deus tem um excelente senso de humor!
Fonte: Época









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